19 de ago. de 2009

Evangélicos sem Igreja - parte 2

PESQUISA MOSTRA A FORÇA DOS PEQUENOS GRUPOS

O cristianismo nasceu nas casas, como igreja doméstica, e foi desta maneira que impactou o mundo e chegou até Roma, tornando-se, por fim, uma religião. Em livro lançado nos EUA, sem previsão para o Brasil, o Dr. Carl Hurton analisa os resultados de sua pesquisa de doutorado em crescimento de igrejas, feita com líderes cristãos. Ficou constatado que as igrejas que ainda usam o sistema “tradicional” têm crescimento pequeno em relação às igrejas com células e aos grupos caseiros e familiares. De acordo com Hurton, “os pequenos grupos nos lares estão conquistando o mundo”.

O pesquisador demonstra que existe muita base bíblica para este modelo. “A Bíblia nos diz que a Igreja Primitiva congregava em reuniões grandes e nos lares (At 2.46, Rm 16.5). Esta prática foi sendo sufocada, mas da década de 1980 para cá temos visto um renovado interesse mundial pela igreja caseira”, ele afirma.

A primeira que alcançou repercussão foi a de Yoido, na Coréia do Sul, pastoreada por Paul Yonggi Cho. Esta igreja, de pequeno grupo, virou a maior igreja do mundo (800 mil membros), o que parece uma contradição. O método de células e ministérios descentralizados, no entanto, foi mantido, e a igreja de Cho se reúne inteira apenas um dia na semana em diversos cultos.

O livro analisa também o G12 (grupos de discipulado de 12 pessoas) que tem alcançado grande sucesso, desde sua criação na Colômbia. Hurton acredita que o retorno dos pequenos grupos e igrejas nos lares está contribuindo para a expansão do cristianismo, mas que cada líder deve buscar o próprio método com a ajuda do Espírito Santo. Ele assegura que os pequenos grupos não são apenas “uma onda”, mas uma alternativa viável para os impasses do crescimento na igreja evangélica.


Com 42 anos e solteira, a servidora pública Eliane Cavalcanti optou por se desvincular do “esquemão” e formar uma comunidade com irmãos também insatisfeitos nas igrejas: “O calor humano, o amor e a consolação funcionam bem melhor num pequeno grupo”, ela avalia. O Ministério Resgatando Vidas, no bairro de Jacarepaguá, no Rio, reúne crentes nascidos em igrejas históricas, como Eliane, e oriundos de igrejas pentecostais, mas todos com uma queixa em comum: a presença excessiva da “politicagem” e do dinheiro no dia-a-dia das grandes denominações. “Dinheiro é necessário, mas ele também corrompe o homem. Quando tudo é decidido em comunidade, o dinheiro é usado de forma menos mercenária”, Eliane explica, admitindo que os problemas ficaram mais complexos, agora que o grupo atingiu 60 membros.

PASTORES ADMITEM PROBLEMAS E APONTAM SAÍDAS

“Quanto do nosso tempo estamos investindo na ovelha? Ou só investimos na estrutura e na burocracia?”, observa o pastor JR Vargas

O pastor JR Vargas, da Igreja Presbiteriana Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, acha relevante a queixa da enfermeira Carla sobre o “cuidado com as ovelhas”. Ele reconhece que este cuidado pastoral é indispensável para que as pessoas se sintam amadas. “A ovelha tem que estar protegida dessas doenças que estão inundando as famílias”, ele afirma. “Quanto do nosso tempo estamos investindo na ovelha? Ou só investimos na estrutura e na burocracia?” Numa autocrítica corajosa, JR declara: “Precisamos visar gente. Mas há pastores que não querem fazer isso para não parecerem fracos”. E indaga: “Deus nos chamou para sermos executivos ou para sermos pastores?”. JR acredita que a razão de ser da Igreja é a obra missionária e, por isso, seu olhar deve estar voltado para atender os que estão de fora. E quando uma igreja está envolvida em projetos de acolhimento e de evangelização, as chances de aparecerem problemas diminuem muito.

Quanto à inquietação dos que estão trocando as igrejas pelos pequenos grupos ou ficando em casa, o pastor batista Wander Gomes lamenta e entende que o cristão escolha o tipo de igreja que lhe convém, mas lembra que “toda igreja saudável vai crescer um dia e, conseqüentemente, vai passar a ter mais problemas, e o evangélico insatisfeito vai ter que ficar mudando sempre de uma para outra”. Sobre o desejo de que a igreja evangélica seja um lugar de reflexão e meditação, Gomes concorda: “Poderíamos, sim, ter menos barulho, menos agitação. É uma coisa histórica a igreja ser vista como lugar de reflexão, mas estamos no século 21, que é um século barulhento. Então, é uma questão cultural estarmos com decibéis muito elevados”, justifica. Ele lembra que existem igrejas com liturgia mais silenciosa e que a pessoa deve adaptar sua natureza ao tipo de culto que mais lhe agrada.

Quanto aos deslizes éticos, o pastor batista reconhece que as queixas procedem. “Infelizmente é verdade. São muitos escândalos envolvendo dinheiro e pessoas enxergando a igreja como fonte de enriquecimento. Mas também não resolve ficar dentro de casa ou ir para um grupo pequeno porque isso não é igreja”, sentencia, lembrando que grupos não podem fazer certas ações da igreja, como batismo, celebração da ceia. Gomes aproveita para fazer sua própria crítica ao atual modelo: “Reconheço que a igreja atual praticamente serve ao cliente. A idéia é que a pessoa chegue não para contribuir ou para servir ao Senhor, mas para ser servida. O crente de hoje quer uma igreja self-service, que sirva a ele. Ele não quer uma igreja para participar, lutar, desenvolver dons e talentos para crescimento do corpo. Esta visão utilitária tem prejudicado bastante”, ele conclui.

Para o bispo Paulo Lockmann, a omissão dos evangélicos na questão da violência urbana, aventada por Gaynor Smith, é procedente. “Existem iniciativas pontuais, mas de modo geral os evangélicos estão omissos, sim, e nosso empenho para combater esse problema está abaixo da expectativa”. Para Lockmann, o povo evangélico poderia ter uma ação mais ordenada, uma política de pressão permanente sobre os governos, como fazem os católicos. “Com certeza, surtiria mais efeito do que estas passeatas”, ele diz. Do ponto de vista estratégico, Lockmann aponta o caminho das pastorais carcerárias para uma ação dentro dos presídios, pois “tudo vem de lá”. O bispo sente falta de uma organização que reúna as principais lideranças evangélicas como a extinta AEVB, que “naufragou porque estava centrada numa figura carismática”.


ADOLESCENTES E CRIANÇAS

A preocupação maior dos pais que têm filhos adolescentes tem sido encontrar uma igreja onde existam atividades específicas – como esporte, grupos de discussão, acampamentos e música – voltadas para essa faixa etária. Shirlei e Ricardo Farias chegaram a trocar de igreja quando seus dois filhos atingiram a adolescência e não havia ministério específico para eles. Hoje, se alegram ao ver Rafael, de 16 anos, e Eduardo, agora com 21, plenamente integrados e satisfeitos, participando, inclusive, como músicos da orquestra e da banda.

Rafael afirma que o convívio comunitário na igreja tem contribuído muito para seu crescimento em disciplina e compromisso. Nos grupos de adolescentes, com uma média de 50 rapazes e moças, ele participa de palestras e debates sobre temas como “relacionamento com os pais”, “acesso à Internet”, “ficar ou namorar?” e freqüenta as atividades esportivas, mas sente falta de um culto para adolescentes dentro da rotina da igreja (mesmo que uma vez por mês), para o qual se possa convidar a turma do colégio. Deseja também uma atividade nas casas, no meio da semana, para que os adolescentes possam estar juntos e “se fortificar na Palavra”. Na opinião de Ricardo e Shirlei, que já participaram de ministério nesta área, o culto dominical não é suficiente, em alguns casos, para integrar o adolescente à igreja. Para eles, são necessárias outras atividades de integração e comunhão com o grupo.

A psicóloga Ana Clara, 40 anos, por sua vez, vive uma crise no relacionamento com a igreja e admite que seu compromisso com o casal de filhos é um motivo forte para mantê-la congregada. “Confesso que estou insatisfeita com minha igreja. Tenho percebido pouca profundidade na pregação, que é totalmente lida. Quero aprender Bíblia e não acho que isso deva acontecer somente no espaço da EBD. Mas como tenho filhos pequenos, não posso deixar de ir à igreja e de levá-los simplesmente porque não gosto disso ou daquilo. Eles são meu principal campo missionário; por eles eu vou e permaneço para que criem vínculos e aprendam o Evangelho, já que o ministério infantil de lá é ótimo”, ela diz.


Sérgio de Carvalho, produtor cultural, sente falta de uma igreja “parecida com Jesus” que, para ele, pode estar em qualquer lugar e não apenas no templo

Ana Clara faz restrições à liturgia: “Me sinto em um happy hour e há pouca reverência”. Ela percebe seu crescimento espiritual “travado” e lamenta que sua igreja não a edifique. “Não sou a única a observar esses aspectos, mas ainda acredito que as coisas podem mudar e que eu posso ajudar nisso, embora me sinta desmotivada”. Apesar de tudo, a psicóloga, que cresceu em ambiente evangélico, reconhece que há tentativas de melhorar por parte da liderança, mas lança um questionamento em forma de crítica: “Será que é exigir demais estar numa igreja que tenha mais Bíblia na pregação e menos auto-ajuda?”.


O reverendo presbiteriano Éber Lenz César ressalta que assim como Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela para a santificar, todos devem amar sua igreja e se santificar para que ela possa ser melhor a cada dia

Continua amanhã...

2 comentários:

Anônimo disse...

Com esta tendência nos aproximamos do conceito de Igreja estabelecido por Jesus, no qual não estava previsto templo. Quando os membros da Igreja iam ao templo sempre tinham por objetivo a proclamação do Reino de Deus e não congregacional uma vez que o templo era judaico e não cristão. Deus não tem compromisso com cristianismo, denominações, religiões ou algo que o valha. O compromisso de Deus é com Sua Igreja. É necessário desfazer esta confusão que foi criada há séculos e tem causado tantos danos à obra de Deus.

Anônimo disse...

Infelizmente o que temos visto hoje é um descompromisso total com as pessoas.O membro da igreja serve mais para entregar dízimo, e esses recursos na sua grande maioria se presta para a construções. O pastor deixa de ser uma pessoa para cuidar de pessoas para ser o engenheiro, construtor, e perde totalmente o foco. A igreja primitiva cresceu e se desenvolveu em pequenos grupos informais, vivendo um relacionamento de amor e de comprometimento, e nos paises onde há perseguição ao Cristiamismo, não é diferente.Há uma insatisfação crescente por causa do que temos visto no dia a dia, no comportamento das lideranças. O que se espera é que eles sejam o modelo Cristo.